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FELIZ ANIVERSÁRIO

Foto do escritor: Marta RomlMarta Roml

Florbela fazia cinquenta anos. Cinquenta anos. Meio século. Nem queria acreditar, o tempo tinha corrido tão depressa. Hoje decidira festejar o seu aniversário de forma diferente. Hoje não iria fazer uma festa para a família e amigos, não iria passar o dia a cozinhar ou a aturar o marido. Iria fazer apenas o que lhe apetecesse, ser um pouco egoísta, esquecer tudo e divertir-se. Desde os catorze anos a limpar a casa dos outros, já estava cansada da esfregona, das mãos gastas e das conversas das patroas.


Cansada de tudo, de ter de se levantar às seis da manhã para ir fazer o almoço do marido e dos filhos, arranjar-se a correr e apanhar a camioneta apinhada de gente. Depois, chegar a casa da patroa Isabel fazer-lhe o pequeno-almoço a ela e às filhas, e pôr-se a limpar, a esfregar, a lavar e a suportar as conversas forçadas daquela gente. Isabel era uma dondoca que não fazia absolutamente nada, andava na casa a fingir que era muito necessária, mal sabia ela gerir uma casa e dar a educação necessária às filhas. Mas, tinha dinheiro e era bonita. Já Florbela não, Deus não a tinha presenteado com beleza. Tinha um corpo pesado e compacto. O rosto era de cavalo e os olhos de um vulgar acastanhado. Ela sabia que não era bonita, e por isso em casa, com o marido, estava sempre ocupada. Se não havia trabalho, ela inventava o que fazer.


À tarde ia para a outra patroa. E tudo se repetia: as conversas, limpar, esfregar, lavar, e chorar por dentro a pouca sorte que tivera na vida. Já não conseguia chorar mais, principalmente depois da morte do pai. Morrera-lhe nos braços há cerca de trinta anos, vítima de cancro.


Chegar a casa, fazer o jantar, aturar a conversa do marido, orientar os filhos, dar um jeito à cozinha e à casa, e dormir. No dia seguinte o mesmo. E anos a fio da mesma rotina.

Hoje não. Estava livre de tudo e todos. Passeava-se pelas ruas como as suas patroas. Entrava nas lojas, experimentava a roupa e depois fingia que nada lhe tinha agradado. Hoje até se tinha pintado e trajava a sua melhor indumentária. Sentia-se bem, bem demais. Nas lojas tentava não falar demasiado para não lhe perceberem os erros da fala, afinal Florbela não tinha mais do que o quinto ano de escolaridade.


Almoçar fora, lojas, jantar fora, e já se sentia outra. Parecia que tinha recarregado as baterias por anos. E agora, o que fazer? Não sabia bem, mas queria experimentar algo que nunca tinha feito. Queria ousar, pela primeira vez na vida.


Era noite. O marido e os filhos já deviam estar preocupados, mas Florbela não queria saber. Sentia-se livre. Ao ponto de desligar o telemóvel, entrar num bar, e meter conversa com um fulano mais novo que ela. E ficaram ali a conversar sobre as suas vidas. Bebida após bebida, Florbela sentia-se cada vez mais zonza. Levanta-se e começa a dançar. Dança até os pés lhe doerem, dança como nunca o tinha feito, sem se importar com o que os outros iriam pensar dela.


Florbela sente-se uma mulher diferente, depois de tudo o que vivera naquele dia. Ainda que embriagada, consegue chegar a casa. São quatro da manhã. Florbela faz barulho ao entrar em casa. Começa a cantar e a dançar, tropeça numa cadeira e cai. Marido e filhos descem para ver o que se passa. O marido, estupefacto, levanta-a do chão. “Estás bêbada?”, pergunta-lhe. Ela não lhe responde. Diz aos filhos para voltarem para a cama. Florbela sobe dificilmente as escadas até ao primeiro andar. Entra no quarto, despe-se e enfia-se na cama nua.


Quando o marido entra no quarto, Florbela fecha as luzes. “Estou cansada, extremamente cansada. Quero o divórcio…”, diz-lhe antes de adormecer.

 
 
 

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