Na sua cela, em profunda meditação, Laura rezava as laudes. De manhã, era essa a sua rotina, ajoelhar-se num chão coberto de grão e rezar. Fazia-o pela conversão dos pecadores, pelo Santo Padre, por todas as freiras que, como ela, precisavam de força para seguir a sua missão.
Laura já não era Laura, agora era Maria Teresa. Maria como a mãe de Jesus e Teresa como Santa Teresa de Ávila, sua grande inspiração. Desde que decidira ser freira que fazia muitos sacrifícios, desde jejuns, favores a outras freiras, e mortificações da carne, como rezar sobre grão ou pedras. Também se mutilava, apesar da madre a ter proibido de o fazer, pois exagerava nos cortes e perdia demasiado sangue.
Ali, no isolamento de sua cela, rezando, lutava contra a sua mente. Sabia que poderia aguentar muito mais. Por isso, no fim das laudes, pega numa lâmina, sobe as vestes e corta a sua coxa, corta também a zona do pecado, a sua virilha esquerda, ao lado da vagina. Maria Teresa, sabia que estava proibida de o fazer, mas também sabia que havia muitos pecadores a serem convertidos… O sangue corre pela sua perna, vermelho vivo, como o de Cristo. Queria ser como ele, queria sofrer como ele sofreu na cruz. Sofrer para purificar o seu corpo imundo de pecado.
As noites é que eram difíceis. Fazia o que não pode ser dito. Não resistia, não conseguia resistir ao prazer da carne. Esta noite caiu novamente no pecado, por isso, Maria Teresa dirigia-se à capela para se confessar.
“Perdoai-me Senhor Padre porque pequei…”, começava sempre a sua confissão. O Padre João tentava conter o riso perante o rol de pequenos deslizes. Mas, ouvia o seu monólogo de considerações sobre o pecado e sobre a conversão dos pecadores.
João era um padre aberto e que adaptava os dogmas à medida dos seus interesses. Depois de a absolver, mandou-a rezar vinte Avé-Marias. Sai da capela e acende um cigarro, meditando sobre todas as confissões ouvidas.
Entretanto, Maria Teresa, dirige-se a ele. “Senhor Padre, preciso de me confessar novamente, ocultei uma parte dos meus pecados…” João tenta conter novamente o riso. Conhece-a demasiado bem e sabe que vai falar na masturbação e nos cortes que faz “na zona do pecado”. Já não aguenta mais o puritanismo de Maria Teresa. Colocando a mão no seu ombro, João diz-lhe “Não se preocupe, minha querida, eu absolvo-a sem precisar de se confessar.”
Era a primeira vez que o Senhor Padre lhe tocava, a primeira vez que sentia a sua mão quente sobre o seu corpo franzino. Maria Teresa, corre para a sua cela. Abandona o seu corpo na cama. E sente-se como antigamente, como Laura. Uma onda de calor no seu peito. Um calor que lhe vinha debaixo e que a fazia chorar. Tinha que se mortificar mais, fazer mais jejum e sacrifícios.

Batem à porta da sua cela. É hora de almoço. Maria Teresa não tem fome, quase nunca tem fome. Senta-se à mesa juntamente com as outras freiras. Almoçam em silêncio, só ouvindo os talheres e os barulhos das bocas mastigando os alimentos. Maria Teresa quase não come e vai guardando os alimentos para depois os dar ao cão rafeiro do convento, pois nada se podia estragar…
À tarde, ia para a cozinha fazer doce de abóbora com a freira Maria Madalena. Não gostava dela, pois esta implicava muito com ela, parece que sabia do que sofria. Maria Teresa fervia por dentro sempre que Maria Madalena falava: “No quentinho dos cobertores, eu sei bem o que querias…”.
Há dois anos que suporta estas indiretas, desde que está no convento. E não aguenta mais. À medida que corta a abóbora, tenta organizar a sua mente. Tudo para não explodir, oferecendo o seu sacrifício a Deus. Cortando a abóbora, lembra-se de seu pai e do seu triste fim. Matara um colega no trabalho e suicidara-se na prisão.
Maria Teresa não queria ter este fim, mas sentia que o destino estava a pregar-lhe uma partida. Seriam os crimes e os pecados genéticos? Corta a abóbora como corta a sua própria carne. Corta todos os pecados que passam pela sua mente. Corta a abóbora como quem corta a barriga flácida de Maria Madalena, como quem corta a sua boca pecaminosa. E enquanto a outra lhe conta anedotas sobre freiras e padres, Maria Teresa brinca com a sua faca. E sabe, ali, antes de rezar as vésperas, que o seu destino estava traçado.
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