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Foto do escritorMarta Roml

O LEILÃO

Sentada no café habitual, Constança de Proença e Sá mira quem passa e fala para o grupo de amigas sobre a sua mais recente estadia em mais um caríssimo Spa. Conta-lhes sobre os tratamentos que têm para a pele, as massagens, o tipo de instalações que oferecem. As amigas ouvem-na como se se tratasse de uma homilia. Constança de Proença e Sá tem um aspeto impecável, vestida com o seu Chanel, levando a sua mala Louis Vuitton, os seus óculos Cartier, os seus saltos agulha Louboutin e as suas muitas joias de ouro. Parece uma figura tirada de uma qualquer revista de moda, gesticulando delicadamente, utilizando alguns estrangeirismos aqui e ali.


Bebe o seu chá lentamente, à medida que vai descrevendo a sua estadia no dito Spa. Conta com pormenor cada tratamento que fez à sua pele de porcelana. Conta minuciosamente a dieta que lhe impingiram por quinze dias consecutivos, todos os jejuns e exercícios que fez no ginásio. Diz que se sente como nova, com menos dez anos em cima.


O que Constança não conta é que não foi sozinha. Foi acompanhada por um rapaz mais novo, o seu novo brinquedo, dos muitos que coleciona. Mas não se pense que a vida de Constança de Proença e Sá é fácil…. Pelo contrário, tem muitas preocupações: a decoração da casa, o menu dos almoços e jantares, os encontros com as amigas, as compras, a organização de festas com os amigos do marido, o psicólogo, os tratamentos ao corpo e pele, o ginásio, as idas a museus e teatros, os leilões…



Não pôde ter filhos, apesar das muitas tentativas e dos muitos tratamentos a que se submetera. Esse era o seu pior desgosto, o de saber que tudo acabaria ali, nada da sua vida iria ter uma continuidade e tudo o que acumulara na vida não iria para ninguém, já que também era filha única.


Depois do encontro com as amigas, Constança vai para casa, tinha combinado com o marido ir a um leilão. Chega a casa a tempo de se retocar e de beber um gin tónico. O marido está onde muitas vezes costuma passar o seu tempo, na estufa de bonsais que coleciona obsessivamente. Eduardo tem vinte cinco anos a mais que Constança, mas mantém o seu humor e charme bem jovens. Constança sabe disso, sabe também que o marido a trai com garotas mais novas, mas não se importa, tudo tolera em prol do casamento que gere como se de uma empresa se tratasse.


Cumprimentam-se com um pequeno beijo na face. “Correu bem o vosso chá?”, pergunta Eduardo. Constança anui com a cabeça e diz ironicamente: “Não podias ter colocado uma gravata mais pirosa? Vai trocar, Eduardo!”. O marido obedece-lhe como um cachorro bem amestrado.

Ambos entram na sala de leilões impecavelmente vestidos. Todos os conhecem pelas suas aquisições extravagantes: quadros de autores de renome, mobiliário digno de pertencer a um museu, faqueiros e peças de pratas. Sentam-se na fila do meio, por sinal a melhor, a que dá para ver as peças leiloadas e os adversários nas aquisições.


Eduardo de Proença e Sá tem uma cultura vastíssima, sabe avaliar as peças, sabe a história e curiosidades de muitas das peças. Constança apercebe-se que na fila imediatamente à frente da sua está a ex-mulher de Eduardo. Uma mulher uns anos mais velha que Constança, elegantemente vestida, inebriando as pessoas à volta com a sua eau de toilette. Tinham-se conhecido no ginásio, ainda Constança não conhecia Eduardo. Tornaram-se as melhores amigas, saindo muitas vezes juntas e partilhando confidências. Rapidamente passou a ser convidada para os jantares lá de casa, sendo naturalmente apresentada a Eduardo.


As peças a leilão iam sendo apresentadas aos compradores, porém a cabeça de Constança estava longe, muito longe. Lembrava-se do tempo em que a sua vida não era ameaçada por cada mulher que via ao lado do marido, lembrava-se dos pais que tinha deixado na terra para perseguir o sonho de subir na vida, das condições em que vivia e dos muitos sacrifícios a que se teve que sujeitar para cumprir os seus objetivos. Lembrava-se também do seu primeiro amor e do nojo que sentiu quando este lhe pediu em casamento. Já nessa altura, sabia que não pertencia àquela vida, sabia-se melhor do que tudo aquilo.


Uma e mais uma peça são expostas e Constança sempre muda. Eduardo, como sempre, só compra quando a mulher mostra interesse nalguma peça. Daquela pele de porcelana começam-se a vislumbrar duas lágrimas, escorrendo lentamente e pingando nas suas mãos muito brancas. Eduardo apercebe-se do estado da mulher e em voz alta diz: “Compro, compro tudo!”


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