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Foto do escritorMarta Roml

FRUTO PROIBIDO

Corria tão depressa quanto podia. Corria contra o tempo, contra todos os pensamentos e fantasmas que povoavam o seu mundo. Mas, sobretudo corria contra a vontade voraz de lhe telefonar. Depois de tudo, sim, depois de tudo. Apenas ouvir aquela voz, uma voz já gasta pelo tabaco, mas cheia de vida e de histórias. Atraía-a a vontade de se debruçar sobre o precipício. Porque era isso que ele representava: uma enorme falésia de emoções. Mas, nunca mais o poderia voltar a ver, nunca mais poderia voltar a sentir o seu cheiro tão característico, ouvir aquela voz sensual e calejada pelo tempo.


Maria continuava a correr para gastar o corpo deserto de saudade. De manhã era esse o seu ritual, correr e depois tomar um longo duche para lavar a sujeira do solilóquio matinal. E gostava de andar nua pela casa enquanto ouvia Norah Jones… Ainda nua, sentada na velha poltrona que herdara de seu pai, comia uma maçã verde. Preferia-as assim, verdes, sem estarem manchadas pelo tempo. Simultaneamente, olhava para o telemóvel e continuava o monólogo interior. Queria telefonar-lhe para saber como estava, para se encontrar com ele e… queria abraçá-lo, beijá-lo, senti-lo, ouvir-lhe a respiração.


Vestiu-se com a primeira roupa que encontrou. Sem maquilhagem e com o cabelo ainda molhado, saiu de casa.


Fechado, injustamente fechado, era o que sentia. A culpa não fora dele, nunca faria nada sem ser provocado. Tudo ali lhe metia nojo, mas o pior era o balde a cheirar a mijo retardado. Também já se sentia indisposto, a ressacar da falta de álcool e de marijuana. José vê a grade da cela ser aberta por um guarda demasiado obeso: “Vá, chamaram-te. Vais ter uma conversinha com um amigo meu, ok? Porta-te bem…”.


José entra numa sala escura, mandam-no sentar e esperar. Um inspetor muito magro, moreno e ligeiramente corcunda começa um questionário infinito. As mesmas questões repetidas vezes sem conta: “Onde estava no dia 5 de junho do corrente ano? Mantinha uma relação com a vítima Maria Salvado? Quando foi a última vez que viu a vítima? Sabia que Maria estava grávida?...”


Mentir era a única hipótese? Não poderia dizer a verdade, não o compreenderiam e assim continuaria fechado numa prisão. Por outro lado, José perderia o gozo de poder contar a sua história, a sua versão dos factos.


A sentir o seu corpo. Maria pensou que poderia morrer ali, que seria justo, porque apesar de tudo ainda o amava. Amava-o, apesar das esperas e perseguições, das desconfianças e ciúmes descontrolados. Amava-o eternamente.


Apenas tinha que ser convencido de que não havia motivos para sentir ciúmes. Maria seria eternamente sua, o seu corpo e alma eram de José, para sempre de José.


E ali, abraçados, Maria sentia o mundo a parar, sentia que poderia fazer tudo, ser quem quisesse, conquistar o mundo. Precisava apenas de José ao seu lado. No fundo, era só uma questão de tempo até o conseguir fazer mudar.


Era fria, uma superfície dura e fria, depois de todo o amor que fizeram. Ela deitada e a cama vermelha e ele com aquela faca na mão, tão fria, tão dura. Afinal, todo o amor do mundo não foi suficiente para o convencer.


E finalmente cede explodindo “Sim, fui eu. Quer mesmo saber? Fui eu que matei aquela porca. E ela merecia, não fiz mais do que justiça. E até me soube bem matá-la, já o devia ter feito há mais tempo. Ela mereceu todas as perseguições, todas as ameaças, todas as facadas naquele corpo de cabra! Ela e todas as putas que me apareceram à frente!!! Ela provocou-me, provocou-me até eu rebentar!”


Maria estava cansada, mas tinha tudo o que precisava para ser feliz. Acreditava realmente na transformação de José. Deitada na cama, fumava um cigarro enquanto esperava pelo regresso de José que fora à cozinha buscar algo para comer. E esboçando um leve sorriso, assim adormeceu.







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